domingo, 7 de outubro de 2012

Mancha no Asfalto



Mancha no asfalto

                                                                                 
            Quanta bobagem. Escreveria? A noite náufraga e trôpega resfriou os últimos bafos escaldantes de uma tarde sofrida. (MELHOR cortar tudo isso) Pensa nulidades retóricas, enquanto limpa com a cueca a porra pegajosa grudada nos pêlos do peito. Precisa deixar de ler gibis. Depois joga o trapo melado embaixo da cama amarfanhada, arrota mais uma vez e coça a unha encravada. Micose ou frieira?
            Certamente há luar lá fora. Melhor seria: lá fora, luar. Mas nem isso, só uma avenida pontilhada de putas e travestis pelas esquinas, gigolôs em passos lentos. Tem vontade de ver a lua, mas sabe que isso é efeito do vinho e do gozo, bom na hora, mas incômodo quando faz o lençol grudar na bunda e espalha pelo corpo uma pasta esbranquiçada que vai secar daqui a pouco. Secar, e se tornar troços nojentos que parecem borrachinhas, ou cola que só sai com muita água e sabonete. Depois, a velha cata piolhos no xadrez do algodão.
            Preguiça, suor e ansiedade. Com a dificuldade dos velhos bota o pé gordo no tapete, suga a barriga imensa e levanta-se. Ou melhor, arrasta-se para o chuveiro. Água, fresca, fria, água no ralo dos dias. Um cabelo a menos sobre a cabeça.
            Terá lua lá fora? Com certeza, se tiver não vai saber. Antes de chegar ao box se estatela. Da cara redonda, o jornal só mostrará o branco leitoso, quase uma lâmpada de rua da zona do meretrício. No canto da boca, um fio de sangue, que todos sabem vermelho, mas que para os leitores do jornal será só um traço preto sobre o papel vagabundo.
            Nem lua, nem rua, nem tráfego.
            Um terno azul de linho continuará na cadeira, uma gravata sobre o tapete sujo prendedor de ouro sobre a cômoda arrajada e de gavetas bambas. Uma camisa sem dois botões ficará pendurada na penteadeira, mostrando somente o meio rosto de espanto de um batom vermelho e borrado sobre as carnes pobres.
            Quando a maca sair da espelunca, um helicóptero da polícia registrará apenas uma pequena mancha, talvez branca, talvez parda. Em contraste, apenas o cinza da avenida; e sobre o asfalto, os carros e as prostitutas continuarão a passar indiferentes.
            Morrerá sem banho.

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