O movimento da imagem


É preciso transgredir e é o que menos se tem feito. Grande parte dos novos poetas se encantam ainda com o experimentalismo de 50 (caudatário de POUND), e insistem em algo que já fez mais de sessenta anos. Ficam na exterioridade do poema, produzindo efeitos pirotécnicos que lembram muito bem o cultismo barroco. Não há formação de imagens consistentes, mas um amontoados de técnicas vazias, que nada dizem e em nada transgridem. Já passou o tempo do poema-piada (nem Oswald levava a sério), já passou o tempo de Mário (que reconhecia que o radicalismo era estratégia). Principalmente já passou o tempo do concretismo, que queria dar movimento à imagem (uma ideía nova, naquele tempo). Hoje, com os mecanismos que temos, podemos dar movimento às palavras, criar eixos, moldar as formas com um simples clicar de mouse. Naquela época era transgressão, agora é mimetismo, falta de inspiração, falsa erudição. O que ainda não se conseguiu foi dar movimento à imagem, não ao poerma. Precisamos fazer os sentidos flutuarem para a direção dos ventos e devolver o enigma à esfinge que é a Literatura. Movimento da Imagem/Imagem em movimento.

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O Poema

No princípio, é um ponto escuro imerso no caos, um buraco negro deglutindo astros. Da fricção nascem os instintos, ainda meros pontos pouco luminosos, mas já com energia. Depois, do entrecruzar dos instintos na sopa negra do caos, surge uma palavra, que por metástase se multiplica. Emergem os sentidos, ainda babos sobre as perninhas magras. Não há mais cisão entre sentido e palavra, pois tornam-se só e uma única coisa. E a luz, que era fraca, se faz mais forte, com o aquecimento da vontade. E as palavras se unem e formam um verso, e o verso se multiplica na ordem inversa da sua força. Quanto mais forte o verso inicial, menos versos em metástase. E eis que surge o poema: um coágulo iluminado pela força dos sentidos em intersecção.

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A imagem e o referencial

Uma imagem flutua, sem referencial. O velho conceito de metáfora está já há muito ultrapassado. Uma imagem não se refere a nada a não ser a ela mesma e às nuvens de conceitos que vai criando no decorrer do poema. "Segredos de liquidificador", de Cazuza, é um exemplo disso. A que se refere? Há uma névoa poética na cabeça do poeta e a farrapos dela, muito intensos, como raios elétricos, que se recriam na cabeça do leitor. Mais que pirotecnia verbal, um poema é a criação de um objeto novo, intenso, cruel em sua crueza, sensível em sua fragilidade. Só não pode ser consolador, pois as utopias consolam e nada dizem. Um poema tem que ser heterotópico, deslocador, perturbador, subversivo.

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O coágulo e a bolha

Da fricção dos discursos entrecruzados nasce um coágulo, escuro, opaco. Ainda não há o verso, a imagem. Somente o desassossego do poeta ante o desconhecido (como bem notou Cortázar a respeito do conto). Põe no papel qualquer coisa. E vai nascendo, do coágulo, uma bolha, como bolha de sabão, transparente, irisada. Mas fechada em si mesma, que é a garantia de sua existência. Não se remete ao mundo mas flutua sobre ele, ora refletindo-o desfigurado, ora simplesmente fazendo um festival de cores. O caminho entre o coágulo e a bolha é feito pela inteligência, pela técnica. Fiat Lux: eis o poema.




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