segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O preço



O preço

                                                                                  Para João Silvério Trevisan


            Beijou-o com paixão simulada. Pôde sentir a evidência do prazer nos músculos retesados do rapaz. Sorriu. Faltava um bom tempo para o momento exato. Foi com ele que aprendeu a beber mijo.
            Ainda era domingo. Quatro horas antes chegara ao bar com o corpo um pouco doído, com algum ardor de sol e exercícios puxados. Bastou um uísque para que renunciasse a qualquer dor. Em pouco, lá estava ele, a seu lado, escondendo a ansiedade por trás de um olhar cínico. Ainda na lembrança a cena do banheiro. Foi nesse minuto que o batizou. Seria sempre anônimo, mas teria de chamá-lo por algum nome. Em tom de brincadeira, nomeou-o. Entre risos, o garoto tentou falar, mas tapou-lhe a boca, para evitar que mencionasse qualquer Carlos, João, Roberto ou Renato entre tantos que certamente usaria na noite.
            “Não importa.”
            Agora, sentia entrega naquele corpo. Maquinalmente, massageou-lhe as costas. Sem paixão. Revia, sim, as cenas anteriores, num balanço completo da atuação. Perfeita, pois rendera dividendos.
            Via-se pagando a conta e arrastando o rapaz pela mão para dentro carro, controlando com voz firme o alvoroço e descontrole do adolescente. Sem palavras ou toques rodaram pela cidade meio deserta, até encontrar o restaurante certo. Lagosta, vinho, velas. E olhares.
            Em dado momento, um pé roçou o seu, por baixo da mesa. Truque velho e sem imaginação. Estava demonstrando ser mais fácil e simples do que imaginara. Faltava um bocado de verniz e malícia elaborada àquela criatura que não se construíra, apenas repetia os cacoetes de outros prostitutozinhos de bares e ruas. Cada gesto ou olhar possuía significado exato, claro, objetivo. Nada de ambigüidade ou sedução, apenas a mensagem simples para qualquer comprador ávido.
            A cada gesto inútil, o garoto anônimo  parecia mostrar mais ansiedade. E a ansiedade batia na superfície polida do espelho que havia se tornado seu rosto. Lançando a rede sem sucesso, o rapaz  acabava por enredar-se ainda mais nas malhas de uma armadilha maior e mais eficaz. Debatia-se, apenas.
            Não, daquela vez, não mencionaria o preço.
            Não disse. Entrou docilmente no motel, pedindo licença, quase desculpas por estar ali. Sentado na ponta da cama havia tentado ainda um olhar sedutor. Ignorado, silencioso, acompanhava o ritmo de blues com os pés mal plantados sobre o chão encerado. Num repente, levantou-se, devorou sua boca. Não aquele mero roçar de lábios e línguas profissional e artisticamente elaborado.
            – Devagar...isso...
            Não era pressa, mas fome. E assim foi. E saciou-se. Ou quase.
            Ainda nu, tirou da carteira duas notas de cinqüenta e jogou-as sobre a mesa de cabeceira. Sabia ser um insulto, sabia estar rasgando algumas páginas de romance cor-de-rosa, sabia estar mutilando, perfurando, destruindo com os dentes como qualquer outro predador noturno da cidade-punhal. Sabia. Vestiu-se. “Amanhã  passo na loja. Eu pago a conta na portaria.”
            E fechou a porta, sem olhar.

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