O preço
Para João Silvério Trevisan
Beijou-o com paixão simulada. Pôde
sentir a evidência do prazer nos músculos retesados do rapaz. Sorriu. Faltava
um bom tempo para o momento exato. Foi com ele que aprendeu a beber mijo.
Ainda era domingo. Quatro horas
antes chegara ao bar com o corpo um pouco doído, com algum ardor de sol e
exercícios puxados. Bastou um uísque para que renunciasse a qualquer dor. Em
pouco, lá estava ele, a seu lado, escondendo a ansiedade por trás de um olhar
cínico. Ainda na lembrança a cena do banheiro. Foi nesse minuto que o batizou.
Seria sempre anônimo, mas teria de chamá-lo por algum nome. Em tom de
brincadeira, nomeou-o. Entre risos, o garoto tentou falar, mas tapou-lhe a
boca, para evitar que mencionasse qualquer Carlos, João, Roberto ou Renato
entre tantos que certamente usaria na noite.
“Não importa.”
Agora, sentia entrega naquele corpo.
Maquinalmente, massageou-lhe as costas. Sem paixão. Revia, sim, as cenas
anteriores, num balanço completo da atuação. Perfeita, pois rendera dividendos.
Via-se pagando a conta e arrastando
o rapaz pela mão para dentro carro, controlando com voz firme o alvoroço e
descontrole do adolescente. Sem palavras ou toques rodaram pela cidade meio
deserta, até encontrar o restaurante certo. Lagosta, vinho, velas. E olhares.
Em dado momento, um pé roçou o seu,
por baixo da mesa. Truque velho e sem imaginação. Estava demonstrando ser mais
fácil e simples do que imaginara. Faltava um bocado de verniz e malícia
elaborada àquela criatura que não se construíra, apenas repetia os cacoetes de
outros prostitutozinhos de bares e ruas. Cada gesto ou olhar possuía
significado exato, claro, objetivo. Nada de ambigüidade ou sedução, apenas a
mensagem simples para qualquer comprador ávido.
A cada gesto inútil, o garoto anônimo parecia mostrar mais ansiedade. E a ansiedade
batia na superfície polida do espelho que havia se tornado seu rosto. Lançando
a rede sem sucesso, o rapaz acabava por
enredar-se ainda mais nas malhas de uma armadilha maior e mais eficaz.
Debatia-se, apenas.
Não, daquela vez, não mencionaria o
preço.
Não disse. Entrou docilmente no
motel, pedindo licença, quase desculpas por estar ali. Sentado na ponta da cama
havia tentado ainda um olhar sedutor. Ignorado, silencioso, acompanhava o ritmo
de blues com os pés mal plantados
sobre o chão encerado. Num repente, levantou-se, devorou sua boca. Não aquele
mero roçar de lábios e línguas profissional e artisticamente elaborado.
– Devagar...isso...
Não era pressa, mas fome. E assim
foi. E saciou-se. Ou quase.
Ainda nu, tirou da carteira duas
notas de cinqüenta e jogou-as sobre a mesa de cabeceira. Sabia ser um insulto,
sabia estar rasgando algumas páginas de romance cor-de-rosa, sabia estar
mutilando, perfurando, destruindo com os dentes como qualquer outro predador
noturno da cidade-punhal. Sabia. Vestiu-se. “Amanhã passo na loja. Eu pago a conta na portaria.”
E fechou a porta, sem olhar.
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