Círculos na Água
Para Murilo Rubião
O trampolim
de concreto, sobre a piscina absolutamente redonda, suspenso como que livre
sobre o espelho d’água lembra os ponteiros de um relógio eternamente parados ao
meio-dia. Caminhar por ele, apesar de sentir sua solidez sob meus pés, parece
dar uma sensação de leveza antiga: a mesma conferida pela flexibilidade de
braços e pernas de vinte anos.
Voltar aqui
significa recuar; recuar e recusar o desejo de agora por aquele já esquecido.
Dizem sempre: não há volta. Digo sempre: não há avanço.
A casa e o
jardim em torno da piscina mostram os claros sinais de abandono. Das vidraças
amplas sobraram apenas cacos sobre lajotas empoeiradas. Não entrei. Não há fio
de Ariadne que me conduza por aqueles labirintos nunca realmente conhecidos.
Cada parede, corredor, quarto, sala, todos os compartimentos da casa sempre se
bifurcam em minha mente. Não eram sólidos, apenas vislumbres de olhos jovens e
traços impressos confusamente no cérebro.
O mato
devorou os canteiros. Algum galho de roseira seca ainda desponta aqui e ali em
meio ao capim alto. Apenas os cactus, anteriormente controlados em seus nichos
de pedregulho ganharam viço e avançaram pelos arredores. Do portão sobraram
poucos ferros retorcidos, comidos pela ferrugem, que afiou ainda mais suas
arestas cortantes.
Estranhamente
a água está limpa e azul e as minhas roupas, meus sapatos lustrosos de homem
maduro contrastam com os lajedos do fundo; sequer sinal de presença de lodo que
deveria estar depositado sobre eles.
Imóvel a água
camaleoa devolve o azul ao céu de verão, aberto e sem nuvens.
Sinto a pele
queimar, sem ardores. Os músculos tensos sentem o calor e relaxam pouco a
pouco. Suspenso, ao meio-dia, espero que algo aconteça. Nada; somente uma
nuvenzinha insignificante obscurece por alguns segundos a escancarada clareza
da cena. Mal se fez notada e se foi.
Certamente há
brisa, mas não a sinto. Os pelos do meu corpo nu permanecem imóveis e a pele
absolutamente insensível. Também não me movo eu. Alguém, que visse a cena, ao
longe, poderia pensar em uma estátua muito branca, perfeitamente cimentada no
extremo de um trampolim.
Mas não
existe ninguém. Há anos pessoas penetram ali. Talvez apenas um animal ou outro.
Os olhos humanos, no entanto, deixaram ficar aquela imagem perfeitamente
redonda, com seu ponteiro de concreto absolutamente congelado em um só dia, um
só momento.
A cena exige
alguma movimentação. Flexiono levemente as pernas dormentes. Adquirem vida e se
dobram mais. Os braços, até então inertes, esticam-se para trás. Novamente a
imobilidade insustentável.
Um relance,
um fragmento de lembrança dispara o tiro. Então as pernas tomam impulso, os
braços giram até se unirem em pleno vôo. Sei do salto perfeito e do rápido
cortar da superfície plana e líquida.
Mas no fundo
da água, acocorado no útero do passado, também sei que sobre mim formaram-se
círculos perfeitos, fazendo o conteúdo, subitamente movimentado, repetir o
continente.
O sol
finalmente se desloca, levando consigo a projeção da sombra.
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