segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Círculos na Água



Círculos na Água

Para Murilo Rubião


        O trampolim de concreto, sobre a piscina absolutamente redonda, suspenso como que livre sobre o espelho d’água lembra os ponteiros de um relógio eternamente parados ao meio-dia. Caminhar por ele, apesar de sentir sua solidez sob meus pés, parece dar uma sensação de leveza antiga: a mesma conferida pela flexibilidade de braços e pernas de vinte anos.
        Voltar aqui significa recuar; recuar e recusar o desejo de agora por aquele já esquecido. Dizem sempre: não há volta. Digo sempre: não há avanço.
        A casa e o jardim em torno da piscina mostram os claros sinais de abandono. Das vidraças amplas sobraram apenas cacos sobre lajotas empoeiradas. Não entrei. Não há fio de Ariadne que me conduza por aqueles labirintos nunca realmente conhecidos. Cada parede, corredor, quarto, sala, todos os compartimentos da casa sempre se bifurcam em minha mente. Não eram sólidos, apenas vislumbres de olhos jovens e traços impressos confusamente no cérebro.
        O mato devorou os canteiros. Algum galho de roseira seca ainda desponta aqui e ali em meio ao capim alto. Apenas os cactus, anteriormente controlados em seus nichos de pedregulho ganharam viço e avançaram pelos arredores. Do portão sobraram poucos ferros retorcidos, comidos pela ferrugem, que afiou ainda mais suas arestas cortantes.
        Estranhamente a água está limpa e azul e as minhas roupas, meus sapatos lustrosos de homem maduro contrastam com os lajedos do fundo; sequer sinal de presença de lodo que deveria estar depositado sobre eles.
        Imóvel a água camaleoa devolve o azul ao céu de verão, aberto e sem nuvens.
        Sinto a pele queimar, sem ardores. Os músculos tensos sentem o calor e relaxam pouco a pouco. Suspenso, ao meio-dia, espero que algo aconteça. Nada; somente uma nuvenzinha insignificante obscurece por alguns segundos a escancarada clareza da cena. Mal se fez notada e se foi.
        Certamente há brisa, mas não a sinto. Os pelos do meu corpo nu permanecem imóveis e a pele absolutamente insensível. Também não me movo eu. Alguém, que visse a cena, ao longe, poderia pensar em uma estátua muito branca, perfeitamente cimentada no extremo de um trampolim.
        Mas não existe ninguém. Há anos pessoas penetram ali. Talvez apenas um animal ou outro. Os olhos humanos, no entanto, deixaram ficar aquela imagem perfeitamente redonda, com seu ponteiro de concreto absolutamente congelado em um só dia, um só momento.
        A cena exige alguma movimentação. Flexiono levemente as pernas dormentes. Adquirem vida e se dobram mais. Os braços, até então inertes, esticam-se para trás. Novamente a imobilidade insustentável.
        Um relance, um fragmento de lembrança dispara o tiro. Então as pernas tomam impulso, os braços giram até se unirem em pleno vôo. Sei do salto perfeito e do rápido cortar da superfície plana e líquida.
        Mas no fundo da água, acocorado no útero do passado, também sei que sobre mim formaram-se círculos perfeitos, fazendo o conteúdo, subitamente movimentado, repetir o continente.
        O sol finalmente se desloca, levando consigo a projeção da sombra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário