Aos Infernos
Desço mais um passo, Beatriz,
em direção ao nada. Na treva
a única luz que vejo são as imagens
que se partem em fragmentos hostis,
com farpas, espinhos e voragens,
que seguem a torrente que me leva.
Já vislumbro o barqueiro sombrio,
à espera, com os remos aos ombros,
enquanto alucino passados de brilhos,
flocos leves, efêmeros, entre escombros.
Estranho passageiro sou. No úmido frio
da cratera em que entro ouço ainda estribilhos.
São ecos, talvez, do passado, d'antanho,
em que a dor se assemelhava à alegria
e o canto feliz de então, agora parece
lamento e angústia, lamento tamanho,
que a memória turva me envia
para alentar algum resto, aquele que perece.
Entre os dedos carrego a moeda,
cunhada com o metal da indiferença.
Pagamento mesquinho, para a travessia
tão esperada, ansiada após a queda
nas sombras vazias, sem esperança,
nem mesmo de um beijo em lápide fria.
Beatriz, ouço Cérbero já furioso
com a lenta caminhada, após o desembarque
titubeante. Falta-me a coragem, ou esperança
de recuperar, mesmo que ansioso,
o brilho de um olhar vacilante,
ou o falso amor de uma velha criança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário